domingo, 31 de maio de 2015

TOMAS TRANSTRÖMER - O GRANDE ENIGMA



Segue abaixo a tradução dos haicais do  livro " O Grande Enigma" do vencedor do Premio Nobel de Literatura de 2011, o sueco TOMAS TRANSTRÖMER,
Tomas foi psicologo de profissão, tendo trabalhado com viciados e presidiários na Suécia. Apesar de ser o poeta Sueco mais traduzido e muito reconhecido, em 2011 fiquei alucinada atrás de qualquer livro seu no Brasil e não encontrei. Então pedi para minha sogra que é sueca, que me enviasse de Estocolmo um exemplar...em sueco.  Junto com minha sogra, Katarina Leijonhufvud, ela me ajudando a entender o significado, passando para o inglês e do inglês ao sueco - conseguimos traduzir tudo. Como tive receio de que a tradução não estivesse fiel, contratei uma tradutora juramentada em sueco para revisar a minha tradução. O resultado abaixo já é o revisado pela tradutora que elogiou meu trabalho, mal sabe ela como sofri...

Os haicais abaixo foram escritos após um acidente cerebral vascular que limitaram porém não impediram que Tomas continuasse produzindo.  Passou seus últimos anos recluso em uma ilhazinha na Suécia.

Para quem, como eu, tentou pesquisar, aí vai um caminho.

(abaixo apenas os haicais, sendo que o livro tem também outros poemas)

O GRANDE ENIGMA.



Um mosteiro de Lamas
Com jardins suspensos
Pinturas de batalhas


Parede do desespero
Os pombos sem faces
Vão e vêm

Pensamentos quietos
Como os azulejos de mosaico
Nos jardins do palácio

De pé na sacada
Na  gaiola de feixes solares -
feito um raio de sol

Murmurando na neblina
Ao longe um barco pesqueiro -
Troféu sobre a água.

Cidades cintilantes:
tons, lendas, matemática -
só que diferente.

Um caribu ao sol
Moscas costuram e alinhavam
a sombra no chão.


Uma rajada lancinante
atravessa a casa esta noite - 
O nome dos demônios.


Lúgubres pinheiros
No mesmo trágico pântano.
Sempre e sempre.


Absorto pela escuridão.
Encontrei uma grande sombra
Dentro de um par de olhos.


Estes miliários
Que seguem em jornada.
Ouvem a voz das pombas.


A morte se debruça
sobre mim, um problema de xadrez.
E tem uma solução.


O sol se esconde.
O barco rebocador me olha
com a sua cara de buldogue.


Da borda de um penhasco
Vê-se a fenda no muro do Troll.
O sonho é um Iceberg.

Subindo as encostas
sob o sol – as cabras são como
chamas domesticadas.

E a flor azulzinha
se levanta do asfalto
feito um mendigo.

As folhas castanhas
são tão preciosas quanto
Os Manuscritos do Mar Morto

Numa prateleira
da biblioteca dos tolos
o sermão intocado.

Levante-se do brejo!
A mariposas parecem rir
Quando batem as doze.

Minha felicidade inflou-se
e as rãs cantaram nos
pântanos da Pomerânia.


Ele escreve, escreve...
Visco fluía pelos canais.
Barca sobre o rio Styx.

Siga silente como a chuva
Conheça as folhas sussurrantes
Ouça o sino do Kremlin!

Floresta intrigante
onde Deus vive sem dinheiro.
Os rochedos resplandeceram.


Sombras rastejantes...
Estamos perdidos na floresta
No clã dos cogumelos silvestres


Um pássaro branco e negro
persiste em seu zig-zag
campeando nas campinas.


Veja como eu me sento
Feito um bote ancorado.
Aqui eu sou feliz.


As alamedas se arrastam
em tropel de raios de sol.
Alguém gritou?


Quando chega a hora
o vento cego repousa
contra a fachada.

Eu estive lá -
Sobre a parede branca
juntam-se moscas.

Bem aqui o sol queimava...
Um mastro com velas negras
De muito tempo atrás.

Aguente firme rouxinol!
Algo emerge das profundezas ¬-
estamos disfarçados.


A  morte se inclina
E escreve na superfície do mar.
A igreja respira ouro.

Algo aconteceu.
A lua iluminou o quarto.
Deus estava ciente.

O telhado ruiu
E o cego pode me ver.
Este meu rosto.

Ouça o murmulho da chuva.
Eu sussurro um segredo
para chegar lá.

Palco na plataforma.
Que estranho prazer - 
a voz interior

Visagem.
A velha macieira.
O mar está perto

O mar é uma muralha.
Ouço o grito das gaivotas - 
elas acenam para nós.

Nas costas o vento de Deus.
O tiro que vem em silêncio -
um sonho longo demais.

Silêncio cinzento.
O gigante azul passa ao longo.
Brisa fria do oceano.

Vento grande e lento
que vem da biblioteca do mar.
Aqui encontro sossego.

Pássaros-homens.
As macieiras estavam em flor.
O grande enigma.








sábado, 23 de maio de 2015

To Ku or not to Ku - Haicai Combat e Poetry Slam.



Em 2014 o Beco de Escritores (*) foi convidado para participar da OFF FLIP em Paraty onde fizemos uma instalação e um sarau com o tema "Partidas", um pré-lançamento do livro com mesmo nome. Na mesma semana haveria um Haikai Combat. Bom...eu não sabia muito bem o que era aquilo e acabei me inscrevendo, para brincar e principalmente para me relacionar com outras pessoas que curtissem haicai.
Lá conheci a Yassu Nogushi, arrumando as cadeiras no salão do casarão da Câmara dos Vereadores. Ela foi muito simpática comigo e me acolheu super bem. Esse pessoal é do Rio de Janeiro e criou um evento chamado Haicai Combat. Esse evento foi idealizado por Marcos Bassini e Yassu Nogushi e inspirado e apadrinhado no Menor Slam do Mundo, criado pelo poeta performático Daniel Minchoni.
Eu, que tenho ficado com a cabeça enfiada na literatura japonesa do século XVI, XVII e XVII, viajando nas bases clássicas do haiku, contemplativa, zen, apegada às regras, ao kigo e às estações do ano, levei embaixo do braço alguns haicais sobre sazonalidade de frutas e verduras, porque estou fazendo um livro sobre isso.
Quando chegaram os outros concorrentes, eu era o verdadeiro peixe fora d´água. E olha que eu achava que entendia um pouco sobre haicai. Chegou uma galera com estilo hiphop, meio na pegada de Sarau da Cooperifa, com tercetos cheios de swing e temática social...e eu falando de agrião!
Para saber como me sentí, veja a cena que Renée Zellweger vai a uma festa de família vestida de coelhinha da Playboy no filme O Diário de Bridget Jones - baseado no livro da britânica Helen Fielding.
Lógico que tomei logo um nocaute dos outros concorrentes e tentei sair com um pouco de dignidade. Mas fiquei me perguntando…porra? Isso aí é haicai?
Então comecei a pesquisar um pouco e descobri umas coisas bem interessantes que queria compartilhar.
Quem se interessa por haicai sabe que talvez o maior mestre tenha sido o Bashô, ele mesmo foi um cidadão rebelde, angustiado, desafiador do status quo. O primeiro livro do Bashô publicado em 1672 foi o Jogo das Conhas do Mar. Ainda não achei esse livro traduzido em português, mas eu fico fuçando muito em sites americanos – e o conteúdo deles é muito maior que o nosso.
Esse Jogo das Conchas, é o tatatataravô japa do Haicai Combat. O Bashô ficava com os amigos dele em um desafio de 3 haicais cada comparando quais eram os melhores (aí o que muda em relação aos dias de hoje são os critérios de julgamento– porque o certo e o errado, o bonito e o feio mudam com o tempo e com o olhar).
O nome Jogo das Conchas vem de uma brincadeira que as criancinhas japonesas fazem ao catar conchinhas do mar e comparar quais são as mais bonitas. Colocam as selecionadas em uma pilha e vão comparando e comparando até chegarem às melhores de todas.
Misturado com o Slam – a poesia falada e performática – gerou o mestiço Haicai Combat.
Há 16 anos em Ann Arbor, no estado do Michigan fazem um campeonato de Head-to-head Haiku, que é uma espécie de Combat e que foi coroado no concurso nacional de Slam de Poesia nos USA onde o Slam é institucionalizado e existe até escola de Slam. Existem campeonatos mundiais de Poetry Slam cujas origens, se a gente for cutucar,  vai chegar à Grécia antiga e se bobear nas rodas em volta das fogueiras dentro das cavernas ancestrais.
Head-to-Head Haiku assim como os haicais do pessoal do Haicai Combat tem uma temática política, filosófica, cômica, absurda, erótica e até de horror.
O título desse post foi baseado em um artigo do americano de origem nipônica, Tazuo Yamaguchi, que organiza o Head-to-Head Haiku, que ele abrevia e chama de “Ku”. http://snn.poetryslam.com/featured-articles/to-ku-or-not-to-ku/
E sabe como eles jogam? Seguindo as regras do Jogo das Conchas do Bashô.
Respondendo então à minha pergunta. Mas afinal aquele Slam de poesia onde eu havia me enfiado era haicai?

Mano…e não é que era?

(*) Beco de Escritores é um grupo composto em sua maioria por contistas e que se reúne desde 2011 na Vila Madalena, em São Paulo.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Haicais eróticos




No Natal de 2013 eu ganhei do meu marido um presente muito sensual e especialíssimo, um livro do British Museum chamado Haiku Love (Alan Cummings). O livro lindamente ilustrado é separado em 3 capítulos: Juventude, Meia Idade e Velhice - e trata da paixão, sexo e amor nestas fases da vida.

Vale lembrar que o haicai (ou haiku) não tem a tradição de expressar sentimentos pois versa especificamente sobre a natureza e a reflexão sobre a transitoriedade. A temática amorosa era escrita frequentemente no formato Tanka (poema de 31 sílabas 5-7-5-7-7), tipo de poema particularmente importante no período imperial Heian (794-1185) e de onde originou-se o haiku.
Porém há alguns exemplos interessantes de haicais, escritos pelos grandes mestres e que podem ser considerados eróticos, e certamente muito bonitos.

Como o livro traz uma tradução do japonês para o inglês, farei uma segunda tradução livre:

Lírios em flor
Quando a pele de uma mulher
brilha através do crepúsculo
                        Chiyojo (1703-1775)

Muitas formas de amor
Todos os fios do desejo
começam no mais puro branco
                                               Buson

Ela está cortando
legumes para por no arroz.
Mas seu coração está longe.
                                              Iaba

Ela encosta
No seu colo silencioso
seus eloquentes quadris
                                            Anon

Ameixas florescendo no inverno.
Gomos tocando um ao outro
no crepúsculo
                                 Ishibashi Hideno (1909-1947)

Escuro profundo
Onde eu desnudo
uma íris em flor
                                 Katsura Nobuko (. 1914)

Estes haicais são antigos e marcam a tradição dos mestres. Posteriormente farei um novo post de haicais eróticos modernos e contemporâneos.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Beco

Depois do adeus

Dirijo por ruas escuras.

Faísca nos olhos do gato.

sábado, 9 de maio de 2015

Jack Kerouak e os haicais

Estou lendo e curtindo demais o Livro de Haicais de Jack Kerouac (L&PM) traduzido pelo poeta Claudio Willer - que eu admiro, é meu amigo e já nos visitou no Beco de Escritores(*).
Fiquei impressionada com a personalidade contraditória do Jean-Louis Kerouac que foi um jovem lindíssimo, sensível, curioso, cheio de inspiração e energia para escrever prolíficamente. Foi festejado pelo livro "On the road" e elevado a ícone da geração beat. Contestador, carregava o estilo descolado que muitos queriam ter. Por outro lado era machista, reacionário, e dependente de álcool. Morreu aos 47 anos, inchado, consumido pela cirrose, oprimido pelo sucesso e pressão comercial e enredado em um relacionamento neurótico com sua velha mãe.
Jack teve amigos que o apresentaram ao zen-budismo e ao haicai, ele bebeu (sem trocadilho com o alcoolismo - perdoem-me) das mesmas fontes que eu, e que a maioria das pessoas que se interessam por haicai - Bashô, Buson, Issa e Shiki - os grandes mestres haicaistas do Japão. Pense se o Bashô não foi ele mesmo um personagem "pé-na-estrada", já que abandonou sua vida estável para peregrinar pelas estradas do Japão? É o arquétipo do louco no tarô, com sua mochilinha nas costas, observando, caindo na vida, buscando seu propósito e registrando poeticamente suas transformações e seu entorno. Mas o que mais me chamou a atenção foi um recurso que ele usou para encadear diversos haicais formando um texto em prosa. Olha só que malandro, que danado! E não é que ficou bom?
Veja este trecho que extraí do livro:
"O haicai também permeia seu estilo em prosa de outros modos. Em Os Vagabundos Iluminados, ele escreve:
"A tempestade foi embora da mesma maneira repentina como chegara, e o brilho tardio do final do dia me cegou. Fim de tarde, meu esfregão secando sobre a pedra. Fim de tarde, minhas costas nuas e frias, eu parado em cima do mundo em um campo nevado usando minha pá para colocar torrões de neve em um balde, Fim de tarde, era eu e não o vazio que se transformava" .

Essa sequência que começa com Fim de tarde - é o primeiro verso de haicais que Jack havia colocado em seu diário e suas variações. Outra coisa que tenho curtido no Jack - a primeira ideia é a melhor ideia. Hit the road Jack...

Alguns haicais do Jack.

A nevasca mal começou
todo esse pão espalhado
e só um pássaro

Nuvens brancas deste planeta esfumaçado
obstruem
Minha visão do vazio azul

O gato branco
É verde à sombra da árvore
Feito o cavalo de Gauguin

(*)Beco de Escritores é minha casa literária, onde produzo contos com outros escritores, na Vila Madalena, em São Paulo. Há referências sobre o Beco no Facebook.





sábado, 2 de maio de 2015

Haiku, haikai ou haicai? Qual a diferença e qual está certo?

Em 1973 a Haiku Society of America Definitions Committee estabeleceu algumas normas para definir as palavras haiku, hokku, senryu, and haikai no intuito de auxiliar editores e dicionaristas. Em 1993 adicionaram Renku e haibun à lista. Todas as palavras são originalmente japonesas e a supracitada organização está direcionada a poemas escritos em idiomas que não sejam o japonês.

Elenco abaixo algumas definições da Haiku Society of America Definitions Committee.

Haiku é a nomenclatura utilizada no Japão. Utilizada também por todos os países de língua inglesa e diversos outros países de língua francesa e espanhola. Define um poema curto que usa a linguagem imagética para transmitir a essência de uma experiência da natureza ou estação do ano, intuitivamente ligado à condição humana e a transitoriedade da vida. Por isso este tipo de literatura é considerado uma arte ZEN. Se escrito em japonês, definitivamente é 

Haikai é a abreviação de haikai no renga, o estilo popular que uniu o verso japonês originário no século XVI, em oposição à renga aristocrática anterior. Em japonês, em inglês, espanhol e português a palavra haikai também pode se referir a toda a literatura relacionada com haiku. Haikai é uma forma foneticamente mais delicada e sonora no idioma português, já que no português a tendência seria pronunciar a palavra como "raikú" enfatizando a última sílaba, o que não está correto - a pronúncia adequada seria algo como "ráiko". Desta forma a palavra adotada mais popularmente no Brasil é haikai ou haicai.

Haicai é a grafia adaptada ao idioma português, adotada por vários escritores, estudiosos e grêmios que escrevem este tipo de poema, como o Grêmio Haicai Ipê. Poderíamos dizer que um haiku "abrasileirado" é um haicai.

Renku é um poema encadeado ao verso no estilo haikai popular, particularmente praticada por Bashô e seus seguidores.

Hokku é a primeira estrofe de um poema ligada ao verso.


Haibun é um texto conciso em prosa geralmente incluindo tanto elementos levemente humorísticos e mais sérios. Um haibun geralmente termina com um haiku.
Hotelzinho do sul
Pendem do pergolado
cachos de uva
Imigrante na colheita -
tempo de se cobrir de joias.
As uvas rubi
.